Carta Educativa
Estão na moda as cartas educativas. Fala-se delas em todo o lado. Eu também tenho aqui uma das boas e educativa.
"Meu caro Fernando
Lamento tirar-te um ou dois minutos da tua ocupadíssima agenda com esta carta, mas o assunto que aqui me traz é importante para a nossa democracia.
Sei que estás pelos cabelos (...) com a lei das Finanças Locais. (...) É preciso da tua parte muito mais do que uns toques de restaurador para restaurar o a dignidade do cargo de presidente de um Município, que tu representas com a dignidade do teu porte e a armação do penteado que todos, melhor ou pior, conhecemos.
A função de presidente da Câmara é uma das mais difíceis e complexas existentes no País. Um homem ou mulher que dirige uma Câmara gasta metade das energias ao seviço dos munícipes e outra metade a resistir às propostas dos construtores civis; em alternativa, gasta um terço do tempo a pensar nos munícipes e dois terços a receber construtores civis; mas, se for um presidente da Câmara adepto do desenvolvimento, não pensa sequer nos munícipes, mas apenas nos construtores. Os construtores, como sabes, são veículos não só de desenvolvimento das autarquias - na medida em que constroem estradas, avenidas (...), parques de estacionamento, túneis e rotundas (sobretudo muitas rotundas) - , como do desenvolvimento dos autarcas, já que há histórias de alguns deles que chegaram pobres e agradecidos a edis e de lá saíram, senão ricos, pelo menos aconchegados por uma contita bancária que faz favor...
Além desta função desenvolvimentista, tem ainda o autarca uma função estritamente política que passo a expor.
O verdadeiro autarca tem sempre em mente a responsabilidade. A dele e a dos outros. Por exemplo, se algo corre bem na autarquia - (...) uma nova rotunda, um jardim público ou uma escola de categoria - devemos agradecer so senhor presidente do Concelho a obra. Se algo corre mal, por exemplo, se cai qualquer coisa ou se estraga algo (...), a culpa é sem dúvida do Governo que estiver na altura em São Bento.
Esta forma altamente política de agir cria uma estabilidade notável nas autarquias. Um autarca devidamente instalado e com os interesses certos do seu lado, não sai de lá nem a pontapé. Várias experiências foram feitas - inclusive de os incriminar judicialmente - e nada! A estabilidade municipal é um orgulho do sistema político português.
Em nome desta indispensabilidade nacional que é o edil, em nome dessas referências da vida política que são aqueles presidentes de município que estão há mais de 500 anos no poder e não saem de lá nem por um decreto, nem a tiro, nem mortos, temos de levar para a frente a contestação.
É por isso que te proponho que as Finanças Locais sejam localizadas! Que em cada autarquia haja, pelo menos, um Ministério das Finanças que cumpra, estritamente, as ordens do senhor Presidente da Câmara. Se assim não for, para que queremos o poder local? Se assim não for, quem constrói as rotundas?"
Lamento tirar-te um ou dois minutos da tua ocupadíssima agenda com esta carta, mas o assunto que aqui me traz é importante para a nossa democracia.
Sei que estás pelos cabelos (...) com a lei das Finanças Locais. (...) É preciso da tua parte muito mais do que uns toques de restaurador para restaurar o a dignidade do cargo de presidente de um Município, que tu representas com a dignidade do teu porte e a armação do penteado que todos, melhor ou pior, conhecemos.
A função de presidente da Câmara é uma das mais difíceis e complexas existentes no País. Um homem ou mulher que dirige uma Câmara gasta metade das energias ao seviço dos munícipes e outra metade a resistir às propostas dos construtores civis; em alternativa, gasta um terço do tempo a pensar nos munícipes e dois terços a receber construtores civis; mas, se for um presidente da Câmara adepto do desenvolvimento, não pensa sequer nos munícipes, mas apenas nos construtores. Os construtores, como sabes, são veículos não só de desenvolvimento das autarquias - na medida em que constroem estradas, avenidas (...), parques de estacionamento, túneis e rotundas (sobretudo muitas rotundas) - , como do desenvolvimento dos autarcas, já que há histórias de alguns deles que chegaram pobres e agradecidos a edis e de lá saíram, senão ricos, pelo menos aconchegados por uma contita bancária que faz favor...
Além desta função desenvolvimentista, tem ainda o autarca uma função estritamente política que passo a expor.
O verdadeiro autarca tem sempre em mente a responsabilidade. A dele e a dos outros. Por exemplo, se algo corre bem na autarquia - (...) uma nova rotunda, um jardim público ou uma escola de categoria - devemos agradecer so senhor presidente do Concelho a obra. Se algo corre mal, por exemplo, se cai qualquer coisa ou se estraga algo (...), a culpa é sem dúvida do Governo que estiver na altura em São Bento.
Esta forma altamente política de agir cria uma estabilidade notável nas autarquias. Um autarca devidamente instalado e com os interesses certos do seu lado, não sai de lá nem a pontapé. Várias experiências foram feitas - inclusive de os incriminar judicialmente - e nada! A estabilidade municipal é um orgulho do sistema político português.
Em nome desta indispensabilidade nacional que é o edil, em nome dessas referências da vida política que são aqueles presidentes de município que estão há mais de 500 anos no poder e não saem de lá nem por um decreto, nem a tiro, nem mortos, temos de levar para a frente a contestação.
É por isso que te proponho que as Finanças Locais sejam localizadas! Que em cada autarquia haja, pelo menos, um Ministério das Finanças que cumpra, estritamente, as ordens do senhor Presidente da Câmara. Se assim não for, para que queremos o poder local? Se assim não for, quem constrói as rotundas?"
Comendador Marques de Correia
(in Única, n.º 1771)
(in Única, n.º 1771)
É das educativas ou não é?
Só trago coisas de jeito para aqui! É ou não é?
Só trago coisas de jeito para aqui! É ou não é?